O dono do bar me expulsou.
De novo estou vagando. Dessa vez sem ser capaz de dar um
passo reto.
- É melhor você voltar para casa.
Apoio-me em um poste. Nada faz sentido.
- Se você sou eu, por que você é um homem?
- Você deveria fazer essa pergunta a você mesma.
O que ele diz faz sentido. O que não deveria acontecer. Ele
é um lunático que diz ser eu.
- Clara, vamos para casa?
Levanto-me do poste.
- Não. Você vai saber onde morro. Muito arriscado.
- Diz a garota que estava sozinha em um parque deserto no
meio da noite.
As coisas a minha volta voltam ao foco.
Mexo minha cabeça e tudo volta a rodar.
- Acho que quero ir para casa.
Peter me ajuda a pegar um táxi.
O interior do carro é escuro e abafado.
O taxista fala em uma língua que nunca escutei antes ao
telefone.
- Peter, o que está acontecendo?
- Você sabe o que está acontecendo.
- Eu estou bêbada e conversando com um ser imaginário. Não
sei mesmo.
O taxista me encara pelo retrovisor. Estou ficando louca.
- Te explico quando chegarmos em casa.
O táxi para algumas ruas antes do meu apartamento. Não dá
para correr esse risco.
O caminho até o prédio é silencioso.
O sereno umedece meus cabelos. Faz-me apertar meu casaco.
O prédio é antigo. A tinta da faixada está descascando. As
grades enferrujadas com seus resquícios de tinta vermelha.
O saguão estava estranhamente quieto.
Uma nuvem de poeira pairava o ar. Podia sentir o muco
escorrendo por minhas narinas.
Eu me sentia dentro de um navio. Balançava de um lado para o
outro.
Cambaleio para dentro do elevador e fecho as duas portas.
- Pelo menos você está segura.
Meu coração da um salto.
Eu devo estar tento um surto psicótico.
- Vai embora.
- Eu já disse que não posso.
- Mas como?
- Eu sou você! Meu deus, você está mais bêbada do que você acha.
- Disso eu sei. Como
você pode ser eu? Você é uma pessoa!
Ele respira fundo. Solta.
- Sou sua consciência.
- Consciência?
- Exato.
- Mas você é uma pessoa!
Ele leva as mãos ao rosto. Encosta na parede do elevador.
- Você vai sair ou vai passar a noite nesse cubículo?
Sua voz está abafada. Demoro alguns segundos para perceber
que já estava em meu andar.
Abro as portas sem muito jeito. Quase caio.
Meu andar parece um cenário de filme de terror.
Uma leve onda de
paranoia me faz estremecer.
Corro até minha porta. Mal consigo encaixar as chaves.
O apartamento está quente.
Papeis e caixas de comida por todos os lados.
Jogo-me no sofá marrom que um dia foi da minha mãe.
- Você se sente culpada.
Levanto minha cabeça. Peter está escorado no batente da
cozinha.
- Você se culpa pelo o que aconteceu.
- Isso é meio óbvio.
- Se fosse, eu não estaria aqui.
Obrigo meu corpo a sentar-se. Minha visão está mais estável.
- Não faz sentido.
- Você quem está criando isso.
Aponta para se mesmo.
Seu cabelo cai levemente nos olhos.
Seu tom de pele morena. As bochechas vermelhas do frio.
- Você está me dizendo que eu me sinto tão culpada que dei
vida a minha consciência.
Afirma com a cabeça.
Estou enlouquecendo.
- Relaxa. Todo mundo faz isso.
- Todo mundo transforma sua consciência em uma pessoa?
- Todos conversam com sua própria consciência. Todos os
dias. Todas as horas. Mas vocês nos
ignoram na maioria das vezes.
Seus olhos pareciam sentir pena de mim.
Sua voz era reconfortante.
- Eu já falei com você antes?
Ele afirma com a cabeça.
- Por que não me lembro?
- Por que você nunca chegou a esse ponto.
- Que ponto?
Olho para minhas roupas.
Folhas do parque.
Corro até o espelho do banheiro. Lágrimas caem.
Meu cabelo se embola em nó no topo da minha cabeça. Minhas
axilas manchadas de suor. Minhas
olheiras transformaram meu rosto em um outdoor
ambulante: “Estou em pedaços!”
- Não precisa chorar...
- Como assim? Olha pra mim!
Preciso beber algo.
- Não.
- Oque?
- Não beba.
- Como você sabe o que estou pensando?
- Eu sou você, lembra?
- Sai da minha frente.
Cambaleio até a cozinha. Uma garrafa de Wisk. Perfeito.
- Precisamos conversar.
- Sobre?
- Você sabe.
Olho para os meus pés.
Sinto um calor em minhas pernas. Estou pronta para fugir.
- Não quero falar sobre isso.
Dou um gole demorado.
- Para de beber.
- Não escute ele.
Quase caio no chão quando uma mulher de longos cabelos
vermelhos surge na minha cozinha.
- QUEM É VOCÊ??
- Eu sou você bobinha.
Acho que eu realmente deveria parar de beber.
- Mas... Mas...
- Sou seu instinto.
Olho para Peter. Sua testa está enrugada. Ele não gosta do
está acontecendo.
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