Acordo com o chão gelado da cozinha no meu rosto.
Minha cabeça lateja. E lateja. E lateja.
O ato de abrir os olhos é um sacrifício. Vamos lá Clara.
A cozinha está vazia. Silenciosa.
Levanto-me com o máximo de esforço que um ser humano consegue fazer em uma situação
dessas.
A janela mostrava um céu ainda escuro.
Arrasto-me até o banheiro. Eu realmente não deveria ter bebido tanto.
Lavo meu rosto inchado. A água gelada aguça meus sentidos.
Meu deus. Preciso dormir.
O pequeno percurso até meu quarto é tortura.
Mal acredito quando alcanço a cama. Adormeço no instante em que minha cabeça toca o travesseiro.
- Você realmente acha que vai conseguir escapar de mim?
Sei que a voz é de Peter. Não quero abrir os olhos.
- Me deixa dormir em paz.
Ele se senta na beirada da cama. Posso sentir seu cheiro.
- Você quem está imaginado.
- O que?
- Meu cheiro.
Viro meu rosto para o outro lado.
- Clara, por favor, vamos resolver isso logo.
- O que você quer que eu faça?
- Você já sabe o que.
- Não vou fazer isso.
- Clara...
- Dá pra calar a boca! Não vou fazer isso!
Meu sono evapora. Posso sentir minha pulsação no meu ouvido.
- Eu vou sair.
- Isso mesmo!
A mulher de cabelos vermelhos está sentada na outra beirada da cama.
- Qual o problema de vocês dois?
- Qual o seu problema?
A mulher se deita ao meu lado.
- O que você está fazendo? Sai da minha cama!
- Nossa cama, né querida.
- Quem é você afinal de contas?
- Roxy, o prazer é todo meu.
Ela masca um chiclete. Posso sentir o cheiro mentolado de seu hálito.
Levanto-me e corro até o banheiro.
- Você sabe que nunca vai conseguir fugir de nós, certo?
Peter chega à porta do banheiro.
Ele não usa mais um casaco. Está com um suéter marrom.
- Eu sei.
Ele se posiciona no meu lado esquerdo. Sinto sua respiração no meu rosto.
- Como você respira?
- Não sei.
Um sorriso surge em seus lábios. Não consigo evitar sorrir.
- Vamos Clara, vamos resolver isso logo.
- Não escute ele.
Roxy está do meu lado direito. Seu hálito de menta em minha bochecha.
Fui encurralada. Não há para aonde correr.
- Clarinha, você sabe o que realmente quer fazer. Esquece esse idiota.
Minha respiração está acelerada.
- Clara, por favor. Você sabe o que tem de fazer.
Peter está tão perto que seus lábios encostam levemente minha bochecha.
Não consigo formar uma se quer palavra. Sinto vontade de gritar, rir e chorar. Tudo ao mesmo tempo.
Eu estou na situação mais insana possível. Realmente estou no fundo do poço.
- Não sei o que fazer.
- Sabe sim.
Roxy se aproxima. Seus lábios vermelhos mancham meu rosto.
Sinto sua língua em minha bochecha. Tenho um calafrio.
- Você sabe que quer sair, encher a cara. Sabe que é a única forma de melhorar.
- Isso não é verdade. Tudo que precisa fazer é aceitar.
Sinto meus olhos umedecendo. Que droga.
- Vamos lá.
Peter está segurando minha mão. Segurando-me.
- Tudo bem.
- O que?
- Tudo bem, eu faço.
- Fazer o que?
Não o respondo. Ele sabe o que estou pensando.
- Clara, tem certeza?
- Isso! Muito bem Clarinha!
- Clara, acho me...
- Calem a boca os dois.
Antes que pensasse melhor no que estava prestes a fazer já está dentro de um taxi.
O percurso demorou um pouco. Estava em um subúrbio. Silencio e casas caras.
Pedi que o taxista esperasse. Não iria demorar muito.
- Clara, tem certeza?
- Cala sua boca Peter, você quem queria que falasse.
- Não assim.
Roxy está no ultimo degrau da varanda da casa em pretendo entrar.
Toco a campainha. Ele atende.
- Clara? O que você está fazendo aqui?
- Posso entrar?
- Claro, mas eu...
Já estava no meio da sala antes que ele terminasse a frase.
- Mas o que você veio fazer aqui?
- Dizer que você é um hipócrita. Assim como Ana.
- O que?
- Hipócritas, frios, secos. Filhos de uma puta.
- Qual o seu problema?
- Você, todos vocês.
Aponto para uma foto de família.
- Clara, como você está... Diferente.
Ana está na sala com sua pele morena e cabelos escuros.
- Sua piranha. Vocês me deixaram acreditar que foi minha culpa. Eu te odeio.
- Clara o que está acontecendo?
- Para de ser sonsa. Você sabe muito bem do que eu estou falando.
Silencio.
- Vamos lá, falem algo.
Silencio.
- Vocês são realmente toscos, esperava que vocês ao menos se defendessem.
Os dois ficam sem reação. Saio correndo da casa.
O taxia ainda está na porta.
Mal consigo respirar.
Não acredito no que acabei de fazer. Puta merda.
- Muito bem Clarinha.
Roxy está sentada ao meu lado esquerdo.
Olho para o outro lado e vejo Peter.
Ele tem uma mistura de medo e satisfação no seu rosto.
- Muito bem Clara.
Sinto uma onda de calor por meu corpo. Um peso sai dos meus ombros.
Peter sorri e aproxima seu rosto do meu. Ele me beija.
Fico sem reação.
Roxy vira meu rosto para ficar de frente com o seu.
Seus lábios vermelhos tocam os meus.
Sinto minha respiração falhar.
Fecho meus olhos tentando me acalmar. Inspire. Expire.
Quando abro meus olhos os dois se foram. Deixaram seus lugares vazios.
Minha mente está muito mais leve. Não foi minha culpa.
Não é minha culpa.
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